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Super trunfo


Até hoje tive três carros. Três carros que chamei de meus. Na verdade, eu os ganhei. Nenhum deles foi um sonho novo, e sim, realidades semi-novas. Bem, cavalo dado não se olha os dentes, certo? Mesmo quando falamos de sessenta cavalos, cento e vinte cavalos? Para ser exato, não sei quantos cavalos cada carro tinha (ou tem, vai saber), mas não
olhei os dentes. No máximo, mostraram-me a correia dentada; de relance.

O primeiro era roxo. Era feio. Era um Ford Ka. Preciso falar mais? Não, mas eu quero. Um Ford Ka 97 roxo. Uma azeitona sem ar ou direção que me levava pra cima e pra baixo. Seu apelido: shake-móvel. Eu adorava. E adorava cada defeito nele. O fato de não caber ninguém (e mesmo assim eu colocar todo mundo dentro), a cor horrorosa, e, principalmente, o shake de pelúcia – brinde do mclanche feliz – que eu deixava em cima do painel. Um dia, uma garotinha no semáforo pediu o bichinho de presente. “Você vai cuidar bem dele?”, perguntei. Meses depois, ele (o carro) foi vendido. Infelizmente não pude fazer a mesma pergunta para o novo dono.


Na sequencia, veio a Deinha. D.E.A. Não lembro o número, mas foram as letras que a apelidaram. Deinha era um Peugeot 206 prata. Metida a e
sportiva com mecânica (e elétrica) de popular. Não foi a primeira e nem ponta-firme como o shake, mas me deu suas alegrias. Era completa, ar, direção, e completamente azarada: deu pane do começo ao fim. Ficamos juntos por um ano mais ou menos. Acho que ela me amava. Porque justo no dia de trocá-la, quebrou. Quase me vi obrigado a ficar com ela, mas só precisou de um tempo. Com o pistão partido e faróis baixos, ela se foi.

O terceiro me chegou como quem chega do nada. Francês (e fresco) como a Deinha, mas agora o ponta-firme era eu. Um Clio que nunca teve codinome. Nunca ninguém se arriscou, nem eu. As letras, com algum esforço, mostravam que tinha sido feito pra mim: DFT, Do Fernando Tardivo. E só. Sua cor chumbo-são-paulo sempre chamou menos atenção nas ruas do que uma pomba na calçada. Impecável durante certo tempo, mas como tudo neste mundo, envelheceu. Como um idoso que nunca teve nada quando jovem, passou a ter de tudo de uma vez.
A cada semana, um novo mal aparecia. Demorei para me desfazer dele. Ignorando os avisos e conselhos dos especialistas (que não foram poucos), mantinha-me firme na ideia de que ele voltaria a ser como antes. Não conseguia ver que a mudança era definitiva, minha e dele. E que era hora de comprar o meu primeiro carro.

Caro Clio, vá pela sombra, não pise na faixa e respeite o sinal. Um beijo para você que não tem nome, mas tem história de sobra. Ao lado da Deinha e do Shake, guardei uma vaga pra você aqui dentro. Eu me despeço em “praça” pública, sem sair pela tangente, e torcendo para que cuidem bem de você. Exatamente como você cuidou de mim.



Comentários

  1. É difícil esse momento de despedida, né? Parece que junto está indo um pedaço de tudo o que a gente viveu, como vc bem descreveu...

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  2. Ainda tem aqueles duas alegrias, quando chegam e quando vão embora, mas em geral deixam saudades mesmo...

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  3. *** Putugal e uma merda!!!! ***

    Eu vou comer no "sopas dos Pobres" tudos os dias! Putugal é um país pobre, mais eu gosto de ser racista para o Brasil, Angola, Cabo Verde etc....ignorância faz parte da minha cultura portuguêsa!!!

    PUTUGAL e uma merda e verdade e verdade! Nao trabalhos pa os Velhos e os Jovems...e verdade e verdade! E racismo puro e muito desgraciado!

    ORGULHO e IGNORANCA DO PUTUGAL e NOSSO PATRIMONIO!!!!!!!!!!!!!

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