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Mostrando postagens de 2009
Gostei Após vários finais de semana e noites de treino, suor, alguns pequenos desentendimentos, confusões, risadas, e muita coisa boa, ouvi o mais sincero dos comentários: eu gostei bastante. Vindo de uma criança de três anos, não há frase melhor. E sabe de uma coisa? Concordo plenamente. Gostei do primeiro dia de montagem e do processo de escolha do texto, gostei do novo diretor, gostei dos personagens e do desafio do meu especificamente, gostei dos figurinos e dos primeiros ensaios, gostei das maquiagens e das meninas vestidas de homem, gostei de fazer ao ar livre e de aprender uma nova dança, gostei de brincar com o corpo e falar com sotaque, gostei de ser emburrado e muito mais velho, gostei que não choveu forte, gostei do bigode e da bota, gostei da lua e de ser palhaço no meio da rua, gostei de todos que foram ver, gostei das surpresas, gostei da coincidência do meu pai ter estado ali quando criança, gostei da presença do pequeno curtindo a peça, gostei das risadas nas horas ines
Escuta Falei dos cheiros e as memórias que eles trazem, mas agora prefiro calar e aproveitar outro jeito saboroso de lembrar: ouvindo. Definitivamente, as músicas marcam. Marcam época, pessoas, lugares. É impressionante o dom que determinadas canções têm para nos tocar em pontos específicos. E não só; às vezes nos trazem sensações exatas, mesmo quando não relacionadas a uma coisa única. Por exemplo: o prazer de dirigir na estrada, cento e dez, cento e vinte, cento e sessenta, ou ainda, quando nos ajudam a dormir antes que a cuca venha pegar. Em casos assim, geralmente, a gente não sabe nem quem canta ou de qual viagem estamos lembrando. Mas a gente ouve e sente. Ou seria o contrário? O tempo muda tudo até que nada do que foi seja de novo do jeito que já foi um dia. A metamorfose ambulante que somos, inclui, logicamente, nosso gosto musical. Bandas que adorávamos, de repente odiamos e chegamos a negar nosso passado, escondendo que um dia ouvíamos aquilo. Mas quando me refiro àquelas mús
Rê começo Eles se conheceram sem querer, como é de praxe conhecer. Conversaram sem querer, mas não pararam de se entender. Interessaram-se sem querer, num momento em que não era para ser. Voltaram a se ver, novamente sem querer, mas agora pra valer. Foi aí que os lábios se encontraram por querer, no cinema em que não foram para ver. Não se desgrudavam mais, nem por querer, exatamente como tinha de ser. Viajaram cheios de vontade de querer. De querer se conhecer. Namoravam sem querer, até que um dia foram perceber: pagaram pra ver. Transformaram-se em pais, sem querer, se é que se pode dizer, mas que só podia ser. O amor aumentava junto do querer, junto do pequeno que só sabe viver. Decidiram ficar juntos, para valer, totalmente por querer. Comemoraram sua felicidade por querer dividir. Multiplicando-a para quem quisesse ouvir. Nova página estão prestes a ver. Sem querer saber como vai ser. Por querer ou sem querer, não há nada mais que se possa fazer. (para o irmão que sempre esteve aq
Sem querer Tenho insônia. Já perdi a conta de quantas noites passei assim. Eu, comigo mesmo, rodeado, às vezes perdido de mim. Passo o tempo, no melhor sentido passatempo da palavra. Invento idéias, repito coisas que esqueci, e ao procurar ilusória companhia, encontro contentamento verdadeiro – desses que ficam mesmo quando acabam. Tranquilo, ansioso, elétrico e preguiçoso. Não é que eu não tenho sono; apenas não dá para dormir. Sou dois, três, na minha cabeça: mil. O que me espera, espero não saber. E faço questão que seja assim. Se eu desconheço o que será e quem serei, de nada adiantam as demais perguntas fundamentais. Quando? O quando é relativo e chega quando quer. (Acaba quando puder). Onde é sempre lá, e o porquê é porque sim. Aqui e porque não, são inércia e desperdício; respectivamente. O tempo passa, sem dó. Leva com ele as respostas, mas deixa as perguntas. De que lado você quer ficar? Quero aprender conhecendo, reconhecer aprendendo. A teoria e a prática, a forma e o conteú
Ar, doce ar. Não é a toa que os cheiros são as lembranças mais fortes. Mais que imagens, sons etc. É como se a memória olfativa estivesse no coração de milhares de ligações nervosas. Basta acionar aquele mínimo ponto e um zilhão de coisas aparecem, de repente, na sua frente. Épocas, roupas, lugares, pessoas, e o mais importante: sensações. Experimente cheirar um CK One e feche os olhos. Imediatamente você estará de Levis 501 e new balance 1600, pronto pra matinê. Outro dia me deparei com um action figure super moderno recém-saído da caixa, e logo aquele cheirinho de plástico novo fez renascer em mim toda a minha infância, transformando-o num simples bonequinho. Lembrei-me de tardes inteiras montando Lego, falando sozinho e imaginando mundos gigantescos que cabiam e sobravam na minha cama de solteiro. Senti a alegria descompromissada de quem tem como maior responsabilidade terminar a lição de casa. Se deu saudade? Ô. Perfumes, sabonetes, cremes, xampus, todos podem estar facilmente asso
. Certas coisas Deixou o carro no valet e saiu apressado, quase esquecendo de pegar o tíquete: “Ah, sim, obrigado.”. Entrando no local, passeou as mesas com os olhos, ansioso, e não encontrou o que procurava. “Estaria ela tão diferente assim?...” aí notou o mezanino e a escada que levava a ele. Venceu o último degrau, virou à direita e pode ver todo o primeiro corredor do andar de cima. Bem ao fundo, numa mesa de dois lugares, estava ela. Folheava o cardápio com delicadeza e dava rápidas olhadas para o andar de baixo. A lâmpada dicróica lhe dava um ar de conto de fadas. “Sim, ela não mudou nada.” Lentamente foi caminhando pelo corredor, passando mesa por mesa. Ela não demorou a notar o movimento e virou os olhos em sua direção. Ambos sorriram, abraçaram-se e sentaram-se: - Pensei que não fosse te reconhecer. - Você está diferente, isso sim. Eu tenho a mesma cara desde os cinco anos de idade. Lembra? - Quanto te conheci, você tinha vinte. - Não, tô falando da foto que... - ... foto? - E
. Sim Não tinha jeito, não tinha casa, não tinha apego, não tinha namorada, não tinha problema, não tinha relógio, não tinha ciúmes, não tinha dor, não tinha gripe, não tinha alívio, não tinha afago, não tinha cama, não tinha calor, não tinha frio, não tinha doce, não tinha amargo, não tinha abraço, não tinha briga, não tinha bronca, não tinha grana, não tinha barba, não tinha cheiro, não tinha medo, não tinha pressa, não tinha dívida, não tinha credo, não tinha esperança, não tinha dedos, não tinha preço, não tinha sombra, não tinha dança, não tinha voz, não tinha paz, não tinha fome, não tinha porquê, não tinha solidão, não tinha remédio, não tinha chão, não tinha cura, não tinha bolo, não tinha bala, não tinha via, não tinha vaga, não tinha nada. E tinha tudo. .
. Cadê Meus óculos? Eu jurava que estavam aqui dentro. Foi aqui que eu deixei. Ou no carro, isso: no carro. Vai que eu esqueci no carro? Mas eu tava de carona. Aliás, será que eu estava mesmo com os óculos ontem? Bem, sol eu acho que fez... Se eu fui de carona ou não, sei lá. (Que droga de memória!). O que importa é conferir isso logo. Porcaria. Não está aqui. Se não está aqui, nem na mochila, o que eu fiz com meus óculos?! - Você viu uns óculos escuros por aí? - Como são? - Meio retrô. Lente grande, marrom... - Hm. Eu acho que já te vi com esses óculos. Combina bastante. - Também acho. - Como você arrumou eles? - Cara, sabe que eu não sei direito. Foi um presente, do nada. - Vacilou então. Porque se você soubesse, podia arrumar outro. - Quem é você? - E eu que sei? - Vou achar esses óculos. - Boa sorte, não vi nada por aqui não. Lá vou eu de novo. Bem, paciência. Lembre-se de cada segundo dos últimos momentos com ele, é simples assim. Nossa, não consigo. Simplesmente eu não me lembro.
. Bibliografia Sofro de um mal terrível. Que me persegue, mesmo em sonho. Sou escritor ghost writter, e também me arrisco em alguns pseudônimos. Não por ser bom a ponto de me dividir em muitos; ao contrário. Penso que fingindo ser vários, posso crer finalmente que sou um. Sofro. Mas nem sempre foi assim. Quando descobri que podia viver em casa, e que de casa escrevendo pelos outros, asseguraria meu presente: larguei tudo. Trabalho, carro, vida social. Enfim, a vida tranquila e caseira me trazia sobras em muitos aspectos, principalmente tempo. Ao lado dele, e sem pressa – com o perdão da redundância, terminei meu primeiro livro autoral; de contos. Já ali não assinei meu nome por medo do fracasso. Todavia, foi um sucesso. Público, crítica, eu. Na época, lia e relia aquelas páginas de cabo a rabo, sem enjoar de uma linha sequer. Esse sempre fora meu termômetro: se você consegue ler um texto seu um milhão de vezes, um milhão de pessoas conseguirá ao menos uma vez. Meu segundo e terceiro li
. Copo de água Eu me lembro que você sempre me trazia um copo de água. Lembro do mercúrio que você passava no meu joelho ralado, da porção de arroz sem cebola que você fazia separado e daquela camiseta que só você sabia encontrar no meu armário bagunçado. Lembro de você me buscando na primeira escola e me acompanhando até a padaria pra eu não ir sozinho. Ou então quando eu entrava no chuveiro e gritava que tinha esquecido a toalha, e você colocava na maçaneta pra mim. Eu me lembro de ir à feira com você, escolher as frutas, ajudar com o carrinho, mas na verdade eu ia mesmo por causa do pastel. Lembro que mesmo depois de grande, sem acordar a tempo, acordava com o pastel em cima da mesa da cozinha e você cortando a melancia, minha fruta preferida. Eu me lembro daquela música sertaneja que você cantava, que anos depois descobri que cantava errado, mas pra mim sempre será o jeito certo. Lembro da água na panela que você deixava esquentando que eu nunca soube por que. Do dia em que a gente
Num momento meio sem tempo, e com a inspiração um tanto quanto viciada, abro as portas para um texto que recebi ontem de uma pessoa muito querida, minha bixete preferida. Ela trabalha com banco, mas escreve de um jeito que até o Setubal se emocionaria. Sem mais delongas, Vermelho Fala, mente E arranca com força meu vestido Marca vermelho o colorido Nas costas de repente Grita Fundo e alto pra se convencer Que não sou tudo que se quer Com o meu gosto de mulher Puxa minha nuca Dedo nos cabelos E nega agora nossos elos Entorna sopro em desespero Vai Mas sem falar que eu deixo ir Não sei mentir o que sentir Na sua dor ímpar ao partir .
. Deveras Um brinde à cagada. Não a literal, a metafórica. O que seria de nós reles mortais se não fossem as cagadas? São elas que nos motivam a pensar, mudar, a tentar de novo. Não haveria graça no mundo se não as fizéssemos. É o que nos torna humanos palpáveis, distantes da perfeição. Por isso, repito: um brinde à cagada. Há épocas em que as cagadas se acumulam, parece até perseguição. Em contrapartida, acontecem muitas atitudes corretas e positivas no mesmo período. A relação é direta: a cada cagada, compensação com acertos. E é nesse sentido que a cagada se torna positiva e digna de brindes. O perigo é cometê-las e deixar tudo como está. Faça cagadas, várias delas. Peça desculpas sempre que possível, ou desculpe-se por outros meios. Mas nunca deixe de se redimir. Ser feliz não é difícil, é uma questão de prioridade. Ultimamente priorizo o sorriso. Rir no fim do erro já é o começo do acerto. Todos aceitam e entendem nossas cagadas, desde que sejamos os primeiros a fazer isso. Você d
. Meet me in Montauk Sempre fui um amante da sétima arte, desde pequeno. Durante anos e anos jamais consegui definir o meu filme preferido. Muitos gêneros, épocas, diretores diferentes. Impossível eleger apenas um. Isso mudou em 2002, numa tarde comum. Saímos às pressas, eu e um colega de faculdade, sem nem saber se conseguiríamos entrar na sala. Duas horas e pouco depois eu não conseguia sair dela. Atônito, acompanhava os créditos, ao som de Everybody´s gonna learn sometime. O filme? Brilho Eterno de Uma Mente Sem Lembranças. Outro dia me peguei tentando entender o porquê deste filme ter ultrapassado todos os outros e ganhado minha preferência. Os atores estão perfeitos, Jim Carrey e Kate Winslet, além de Michel Gondry arrasando na linguagem meio vídeo-clipe, meio sonho, meio confusão mental. Não imagino outro diretor que conseguisse efeito igual. Sobre Jim Carrey sou suspeito para falar. Sempre fui seu fã, desde a época das caretas até a gostosa surpresa de seus últimos trabalhos dr
. O que conta e não se conta Tive muitos amores, é natural do ser humano apaixonar-se pela vida. Mas alguns insistem em não sair da cabeça: amor da juventude, paixonites agudas que arrebatam e outros mais sérios e duradouros. Enquanto vivi estes momentos jamais tive a pretensão de que durariam para sempre. Não importava. Simplesmente me deixava levar. Tempos depois, mesmo sem existirem mais, certas feições permaneciam nítidas na memória. Uma, em especial. Mesmo no timing de hoje penso em procurá-la, porque eu sei que assim como eu, ela me vê sempre que fecha os olhos. Eu já sabia. Sempre soube. Alma-gêmea, tampa da panela, isso não existe, claro. Não existe no singular. Muitas pessoas passam podendo ser a sua metade. O que complica é o timing. Seu e delas. Demorei pra perceber isso. Ou não, vai saber. Às vezes não é pra ser mesmo, até que deixa de ser e a gente vê que era pra ter sido, sabe? Algumas pessoas passam por isso, eu passei mais de uma vez. Só nos resta aceitar, pois mesmo q
. De que cor? Quando me diziam que a vida era feita de escolhas, achava que estavam falando o óbvio. Coisas como futuro profissional, sabor do sorvete e até mesmo qual filme pegar na locadora. Mas hoje penso que eles tentavam me alertar sobre coisas maiores. Comecei a entender num dia comum. Acho que era uma quarta-feira, meio da tarde. Saí do trabalho para a manicure. O dia tinha sido tranqüilo e conseguira desligar meu computador com antecedência suficiente para tomar um café, num lugar agradável, entre o escritório e o salão de beleza. Sentei-me ao balcão e pedi um expresso com uma gota de leite. Quase ao mesmo tempo, ouvi o homem que pedia o simples do meu lado. Os cafés chegaram. Chegaram trocados. No primeiro gole, nós percebemos o erro e (só então) nos vimos. A coincidência e o total entendimento no olhar nos fez dar risada. E rimos muito depois disso. Antes que você me pergunte: não, eu não fiz as unhas àquela tarde. Dias depois, passei no mesmo café. Aliás, sempre que passo em
Achava meio brega, achava sem sentido, sequer parava pra escutar. A melodia sempre linda me cativava, mas nunca o suficiente. Eu não tentava acompanhar, nem repetir, tampouco decorar. A cada aula, mais gente a encontrava. Eu não. Fazia de conta que não era comigo. Não tenho nada com isso. Deixa cantar, logo passa. Defesa? . Até que, de repente, sem aviso prévio, senti-a pela primeira vez. Despi-me de qualquer preconceito ou expectativa e finalmente entendi. Em grupo, naquele momento, vivendo o crescer de uma ligação cada vez mais intensa, o sentido ultrapassou a barreira do som. Foi aí, e tão somente aí, que finalmente entendi... Deu meu coração de ficar dolorido Arrasado num profundo pranto Deu meu coração de falar esperanto Na esperança de ser compreendido Deu meu coração equivocado Deu de desbotar o colorido Deu de sentir-se apagado Desiluminado Desacontecido Deu meu coração de ficar abatido De bater sem sentido Meu coração surra
endereço certo . São Paulo, 5 de Maio de 2009 . Oi futura, Prefiro chamá-la assim, porque desconheço o destino desta carta. Já a origem, posso afirmar que trata-se de uma vontade louca e sem sentido. Vontade em dizer algumas palavras que passeiam por mim, desde não sei exatamente quando. Desde o momento em que te reconheci. O sentido não é lógico, claro, é daqueles que não merece ser analisado. Sentido pra ser vivido, experimentado, arriscado, sentido; apenas. Não. Eu não diria que se trata de uma carta de amor. A experiência diz que não é assim, de repente. Não o amor que se constrói, que se alimenta do amor crescente daquele que se ama. Como dois pequenos big-bens, chocando-se um com o outro, encontrando-se e reencontrando-se na ansiedade paciente do infinito. (Quem melhor do que o amor para falar de paradoxo). Enfim, falo do que pode ser, através do pano de fundo daquilo que já é. Que palavras são essas que persistem tanto sem um porquê? Curiosidade, como é de se imaginar; Cumplici
. Domingo O sonho acabava e misturava-se com a realidade. Sentia apertos nas costas, ou estavam mais para massagem? Não. Eram apertos mesmo. Dos bem doídos. Olhando de perto o travesseiro desfocado teve certeza de que ela espremia seus cravos das costas. Ele nunca gostou muito disso, mas ela amava. Vira e mexe, pegava-o dormindo, desprevenido, pele macia: podia se deleitar. - De novo, Cá? - Ah, você é muito chato. - Eu?! Ela se levanta e abre a porta do quarto. Dá para escutá-la ganhando os degraus da escada. Um pouco mais baixo, ouve o som da geladeira, do armário, o gostoso ruído do líquido tomando conta do copo... - Pê. Acorda, Pê. - Hm. Que foi? - Acorda. Eu não agüento mais ficar na cama. - Então levanta. - Ah. Desce comigo. O dia tá lindo. Vamos fazer alguma coisa? - Tipo? - Parque. Há quanto tempo que a gente não vai pro parque? - Domingo no parque? Trânsito, flanelinha, isso se achar lugar pra parar... E lá dentro então. Ou te atropelam com uma bicicleta ou leva mordida de pinc
. Segunda chance Para muitos, a maior. Para outros, só mais uma. Para os otimistas, satisfação. Para os culpados, redenção. Para quem ama, sonho. Para quem odeia, desejo. Para os desligados, inutilidade. Para os medrosos, fuga. Para os revoltados, nada. Para os idealistas, tudo. Para um cara apaixonado, esperança. Para uma garota desolada, dor. Para os que aproveitam, felicidade. Para os que deixam passar, arrependimento. Para quem acredita, questão de tempo. Para os descrentes, teoria. Para quem insiste no erro, cotidiano. Para quem sempre acerta, desnecessário. Para os mal-intencionados, nunca. Para os de bom coração, sempre. Para os injustiçados, tomara. Para os arrependidos, talvez. E a pergunta que fica é sempre a mesma: o que fazer com ela? .
. . . Prosa na piscina de pedras . . . Falo de começo e (re)começo, da saudade do que ainda não vi, do estar presente quando ausente, de paradoxos, praticamente. . Cada resposta, muitas perguntas com vontade de ser agora. É uma angústia por aplausos, que sabe o sabor da demora. . Demora po rque quer, demora porque sim. Talento é dom treinado. Demora, porque tem que ser assim. . O palco agora é o palco que não é. Não tem luz, não tem coxia. É de pedras... de sonhos, fantasia. . . . .
A casa sempre ganha – É muito simples, – explicava o velho homem – você tem uma semana para devolver o dinheiro com dez por cento em cima. Senão, a casa não é mais sua. – Mal sabia ele que a casa não era minha já naquele momento, aliás, nunca tive uma. Não deu tempo. – Certo. Posso ir? – Levantei antes de o velho responder e saí apressado. Havia muito o que fazer antes da noite cair. Precisava resolver um detalhe fundamental para seguir rumo ao meu destino. Algumas horas depois, estacionava meu carro próximo ao clube. (Clube, era assim que a gente chamava). Segui ágil e cauteloso. Rápido demais, levantaria suspeitas. Amedrontado também. Era muito dinheiro no bolso, era tarde da noite. Suando, cheguei à entrada. Bati na porta apressadamente. Três vezes e meia; era o sinal. Uma pequena janela na altura dos olhos foi aberta e o japonês careca apareceu. Saquei um dos maços de dinheiro e chacoalhei-o em seu nariz redondo. Um pouco mais aliviado, ouvia os resmungos do japa irem esvanecendo-s
Presente Entrou naquela casa como sempre fez desde pequeno, cumprimentou D. Cláudia com carinho de segunda mãe, e seguiu rumo ao quarto da garota, que hoje é praticamente seu de tanto entrar. Ao abrir a porta, ela estava – de novo – na cama. – Vai, levanta daí. – Um som abafado pelo edredom respondeu algo inaudível. Ele insistiu: – Pô, Ju. Levanta meu. Por favor. – Repetido o som, desta vez escutado: – Me deixa em paz... – sem ligar para a resposta e sentando ao pé da cama, continuou a argumentar: – É sério, Ju. O que você ganha deitada aí? Já passaram duas semanas. – A questão é o que eu não perco. – Paciente, ele deu trela: – Ok. O que você não perde? – A resposta seguinte veio no tom mais amargo que aquela voz doce de menina jamais proferiu: – Nada. Mas sempre que eu levanto ou ponho a cara para fora, alguma coisa dá errado. Já aqui? Não perco nada. – Pára de besteira, garota. Vamos dar uma volta! Mudar esse cabelo, fazer compras na Zara, comer besteira no Bu
O vazio é cheio na coxia Fim do terceiro ato: clímax máximo em todo o teatro; tensão em cena e apreensão na platéia. Apesar do tema recorrente – há séculos o texto é montado por todo o mundo, o público estava absorto. O protagonista se suicida, como esperado. Na sequência, sua companheira de ribalta passa a agir de forma completamente inesperada. Seu texto já não pertence à tão conhecida obra e seus movimentos parecem fora de controle. Ela corre para os fundos e logo depois as cortinas se fecham, separando um público atordoado de um corpo inerte no palco. Metade do segundo ato. A peça flui bem, cativa os expectadores. Estes, enredados à história, não notam uma jovem caminhando pela lateral do teatro e entrando por uma porta escondida no canto direito do palco. Ela conhece bem aquela passagem, e logo ganha a coxia. Estava uma bagunça, estava um breu; estava como sempre esteve. Rápida, caminha até uma pequena sala cheia de objetos cenográficos. É silenciosamente cuidadosa
Faces da vida Ao acordar pela manhã tive uma daquelas sensações estranhas que misturam surpresa, medo e incerteza de tudo ainda ser (ou não) um sonho. Algo como os primeiros segundos pós-sono num hotel ou casa de amigos. Mas, ao contrário destes, não descobri onde estava nos instantes seguintes. Pior, muito pior. Tanto tempo olhando o teto e o restante do quarto, sem me levar à nenhuma conclusão, fez com que decidisse me levantar dali e checar o resto da casa. Corredores, demais quartos, banheiro. Tudo me lembrava nada além de uma casa normal. Nada me indicava a mínima pista que precisava. Chegando à sala tive medo de ser flagrado nesta postura de detetive, espionando. Mas ora, eu estava dormindo sem que ninguém se importasse há minutos atrás. No mínimo, era um convidado. De toda forma, o silêncio provava o vazio e pude verificar, com a calma que queria, tudo o que precisa: armário por armário, a prataria, taças, toalhas. A mesinha de canto, até então despercebida, chamou minha atenção
Encontros subjetivos Eu a conheci primeiro, há muito tempo atrás, mas ela não se lembra. Ela me conheceu pouco tempo depois, mas isso eu não lembro. Nos reconhecemos em uma terceira oportunidade. O curioso é que ali já nos conhecíamos e mesmo assim era como se estivéssemos, finalmente, nos conhecendo. O instante foi mágico, rápido e demorado o suficiente. Era como se soubéssemos que aquele não era o momento, e que um gesto a mais ou uma palavra a menos não mudariam nada desta vez. Meus olhos brilhavam a certeza de que nos encontraríamos de novo, e de novo e de novo, quantas vezes fossem necessárias. Entre esse terceiro encontro e o quarto que um dia, enfim, chegaria, um bom tempo se passou. Nele, houve momentos em que sequer me lembrava dela. Em tantos outros, a memória incomodava de tão nítida e presente. Nessas horas, a vontade que eu tinha era de bater na porta dela – seja lá onde ficasse, e gritar que o cara com que ela havia estado apenas duas vezes em sua inteira existência, por