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Mostrando postagens de janeiro, 2009
Presente Entrou naquela casa como sempre fez desde pequeno, cumprimentou D. Cláudia com carinho de segunda mãe, e seguiu rumo ao quarto da garota, que hoje é praticamente seu de tanto entrar. Ao abrir a porta, ela estava – de novo – na cama. – Vai, levanta daí. – Um som abafado pelo edredom respondeu algo inaudível. Ele insistiu: – Pô, Ju. Levanta meu. Por favor. – Repetido o som, desta vez escutado: – Me deixa em paz... – sem ligar para a resposta e sentando ao pé da cama, continuou a argumentar: – É sério, Ju. O que você ganha deitada aí? Já passaram duas semanas. – A questão é o que eu não perco. – Paciente, ele deu trela: – Ok. O que você não perde? – A resposta seguinte veio no tom mais amargo que aquela voz doce de menina jamais proferiu: – Nada. Mas sempre que eu levanto ou ponho a cara para fora, alguma coisa dá errado. Já aqui? Não perco nada. – Pára de besteira, garota. Vamos dar uma volta! Mudar esse cabelo, fazer compras na Zara, comer besteira no Bu
O vazio é cheio na coxia Fim do terceiro ato: clímax máximo em todo o teatro; tensão em cena e apreensão na platéia. Apesar do tema recorrente – há séculos o texto é montado por todo o mundo, o público estava absorto. O protagonista se suicida, como esperado. Na sequência, sua companheira de ribalta passa a agir de forma completamente inesperada. Seu texto já não pertence à tão conhecida obra e seus movimentos parecem fora de controle. Ela corre para os fundos e logo depois as cortinas se fecham, separando um público atordoado de um corpo inerte no palco. Metade do segundo ato. A peça flui bem, cativa os expectadores. Estes, enredados à história, não notam uma jovem caminhando pela lateral do teatro e entrando por uma porta escondida no canto direito do palco. Ela conhece bem aquela passagem, e logo ganha a coxia. Estava uma bagunça, estava um breu; estava como sempre esteve. Rápida, caminha até uma pequena sala cheia de objetos cenográficos. É silenciosamente cuidadosa
Faces da vida Ao acordar pela manhã tive uma daquelas sensações estranhas que misturam surpresa, medo e incerteza de tudo ainda ser (ou não) um sonho. Algo como os primeiros segundos pós-sono num hotel ou casa de amigos. Mas, ao contrário destes, não descobri onde estava nos instantes seguintes. Pior, muito pior. Tanto tempo olhando o teto e o restante do quarto, sem me levar à nenhuma conclusão, fez com que decidisse me levantar dali e checar o resto da casa. Corredores, demais quartos, banheiro. Tudo me lembrava nada além de uma casa normal. Nada me indicava a mínima pista que precisava. Chegando à sala tive medo de ser flagrado nesta postura de detetive, espionando. Mas ora, eu estava dormindo sem que ninguém se importasse há minutos atrás. No mínimo, era um convidado. De toda forma, o silêncio provava o vazio e pude verificar, com a calma que queria, tudo o que precisa: armário por armário, a prataria, taças, toalhas. A mesinha de canto, até então despercebida, chamou minha atenção
Encontros subjetivos Eu a conheci primeiro, há muito tempo atrás, mas ela não se lembra. Ela me conheceu pouco tempo depois, mas isso eu não lembro. Nos reconhecemos em uma terceira oportunidade. O curioso é que ali já nos conhecíamos e mesmo assim era como se estivéssemos, finalmente, nos conhecendo. O instante foi mágico, rápido e demorado o suficiente. Era como se soubéssemos que aquele não era o momento, e que um gesto a mais ou uma palavra a menos não mudariam nada desta vez. Meus olhos brilhavam a certeza de que nos encontraríamos de novo, e de novo e de novo, quantas vezes fossem necessárias. Entre esse terceiro encontro e o quarto que um dia, enfim, chegaria, um bom tempo se passou. Nele, houve momentos em que sequer me lembrava dela. Em tantos outros, a memória incomodava de tão nítida e presente. Nessas horas, a vontade que eu tinha era de bater na porta dela – seja lá onde ficasse, e gritar que o cara com que ela havia estado apenas duas vezes em sua inteira existência, por